sábado, 1 de março de 2008

Entre caixas de ovos e barbies (por Orquídea)


Não sei se é por que não sou mais criança ou se o mundo realmente já não é mais o mesmo, só sei que como minha colega Butterfly, também tenho certa dó das crianças de hoje. E não é pela TV, que realmente deixa a desejar. Abro exceção para alguns desenhos animados que me fazem rir nas minhas manhãs de folga, mas que eu sinceramente não entenderia se tivesse sete anos. Também vale pensar que as crianças de sete anos de hoje correspondem a uma de doze do meu tempo.Mas o tema desse post, não é a TV.

O que quero dizer é que não se fazem mais infâncias como antigamente. Fui na minha família a primeira filha (do segundo casamento), a primeira sobrinha, a primeira neta: fui a precursora da nova geração. Meu pai funcionário público federal, meus tios recém entrados no mercado de trabalho e sem ter com que gastar, uma tia viúva rica do outro lado, irmãos já crescidos e um avô economicamente estável. Não sou de família rica, mas se passava bem na época que eu era criança.

Tive exatamente todos os brinquedos que quis na minha infância, só não tive aqueles que esqueci de pedir, gente para me dar tinha bastante. Nos meus aniversários era uma loucura, tenho fotos atolada em montanhas de brinquedos que iria demoras um ano só para desembrulhar. Ganhava as melhores roupas das amigas do meu pai, tinha todas as bonecas da moda.

Mas sabe qual era o maior prazer da minha infância? Depois que lá pelos seis anos minha mãe me ensinou a colocar linha numa agulha, era costurar roupas para as minhas bonecas. E não adiantava vir com os modelitos prontos da Barbie vendido nas lojas Americanas. Eu gostava mesmo de soltar meu lado estilista e costureira e picotar algumas roupas da galera de casa porque achava que ia dar um vestido lindo para meus imensos bebês de plásticos ou minhas macérrimas barbies. Levei muito carão por isso.

Sabe o que eu adorava também? Lembra aquelas caixas de ovos de isopor com tampa? Davam ótimos móveis para casas de bonecas, dava pra fazer panelas fantásticas e pratos também. Eu quebrava em dois tempos os móveis caros das minhas barbies, mas não me importava muito, porque não tinha barato maior que produzir mesas, cadeiras, sofás e estantes para minhas bonecas. Esse móveis se adequavam melhor as xuquinhas pelo tamanho, mas as barbies nunca reclamaram.

Passava horas, horas e mais horas embrulhando caixas de fósforo com restos de papéis de presentes e os papéis mais bonitos que pudesse encontrar dando sopa pela casa e depois montava móveis super descolados com elas. Também fazia revistas e jornais para que minhas bonecas se mantivessem bem-informadas.

Fazia muita coisa com cartolina, isopor e palitos de picolé comprados em papelarias, mas eu gostava mesmo era da sucata e mais ainda de transformar em sucata o que ainda não era: roupas usáveis, desabrigar os ovos roubando as caixas, deixar as gavetas cheias de palitos de fósforo desalojados.

Hoje, mulher mais que feita, tenho dó de quem não foi criança como eu que jogou baleado no meio da rua e construía seus próprios brinquedos por puro prazer. Tenho saudades de fundar clubinhos e organizar super festas sem um único centavo. O cardápio tinha no máximo um guaraná baré ou barécola e uns biscoitos coquinhos fritos na manteiga que alguma mãe de boa vontade, ou com tempo disponível, e mesmo uma empregada boazinha nos fazia. Algumas vezes a gente saia na cara dura pedindo coisas para os comerciantes da região. Escondido dos pais, claro, mas nessas vezes nos fartávamos de balas e pipocas. A trilha sonora? Os discos de quem os tinha.

Hoje as crianças brincam tanto sozinhas e ganham brinquedos que praticamente brincam sem elas, o que elas crescem com isso? Foi brincando que a gente aprendeu todo o que sabe hoje em dia: a se socializar, a pensar, a imaginar, a dividir, a construir, a se virar.

Olhando meus primos pequenos, e meus sobrinhos nem tão pequenos, brincarem me deu uma dó. Minha sobrinha brinca de barbie no computador, ela tem suas bonecas, mas prefere trocar a roupa delas na internet do que costurar suas roupinhas. Ela nunca vai ter o prazer de cortar uma camiseta torta, de furar os dedos costurando, de não saber dar nó na linha e fazê-lo da forma mais complicada possível e depois sentir prazer ao ver a última moda produzida por mim mesma: "Olha mainha, a roupa que eu fiz"... –"ta linda minha filha, tá linda... mas esse tecido ta parecido com o da minha almofada".

Bom, aí já era, uns tapinhas no bumbum, uma choramigada e dez minutos depois tava destruindo outra coisa.

Minha adolescência foi uma droga, mas da infância tenho saudade, não foi a fase teen que me moldou, foi o que veio antes dela e me deu forças para suportar os terríveis anos da de transição. Brincando de casinha, aprendi muita coisa, nas brincadeiras coletivas descobri o mundo complicado das relações humanas. Sou o que sou hoje graças a tudo o que fui e quando me olho, gosto bastante do resultado.

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