segunda-feira, 7 de abril de 2008

O mau do Alzheimer (por Orquídea)



Não há erro de Português no título, é o que eu realmente quis dizer.

Minha avó materna está com Mal de Alzheimer e é muito estranho conviver com isso. Dizem que quando se chega ao estágio em que ela chegou, a sobrevida é curta e saber disso tornam os sentimentos sobre isso ainda mais confusos. A iminência da morte de alguém que está tão misturada as bem-querências e lembranças das nossas vidas inteiras faz a gente se sentir morrendo um pouco junto. É inevitável doer.

Na minha infância meu medo era maior que o amor pela minha avó. Não entendia seu jeito durão e as histórias que minha mãe contava sobre sua rigidez, que algumas vezes podia-se confundir com truculência, com os filhos durante a infância. Diferente da minha avó paterna de fala mansa e voz quase infantil. Mas ela sempre gostou de mim, só nunca aprendeu a demonstrar, demonstrar afeto é uma lição que não se aprende de uma hora para outra, é uma lição contínua que por vezes se leva uma vida inteira para aprender. Não teve infância, não teve mãe, que morreu tuberculosa quando ela ainda era muito pequena, casou-se cedo, perdeu-se dos irmãos e provou privação e solidão por muitas vezes. Ela sempre foi dura com as pessoas porque a vida foi dura com ela.

Mas ela sempre demonstrou seu amor de outros modos e algumas vezes a gente conseguia entender que aquilo para ela, era uma imensa demonstração de afeto e era necessário um esforço sobre-humano.

Hoje, não sei se pela doença, se pela idade ou pela maturidade, mas ela está mais dócil, há alguns anos está assim. E agora, por ter perdido o medo, me cheguei mais a minha avó para descobrir que sua aparente rigidez teve menos lugar na minha infância que sua vontade de me agradar e sua preocupação. Ela gosta de mim, posso ter essa certeza.

Agora também que há pouco tempo, queria justamente um pouco mais de tempo com ela, ouví-la contar as histórias de sua infância, as lembranças do seu pai, falar da seca e da sangria dos açudes, os causos do povo do sertão, as superstições e as expressões tão típicas, repassadas e perpetuadas pela repetição.

Ela já sabe que está doente e teme as coisas que está fazendo, dizendo não entender o motivo pelos quais as faz. Sai rodando pelo meio da casa a noite. Sai da cama e vai dormir no chão da sala ou nos quartos já vazios dos filhos, uma vez, deixou-se porta aberta por descuido e foi achada ruas depois. Fala de pessoas mortas há décadas como se estivesse viva, ás vezes pensa que seu marido é seu pai, pergunta pelos filhos como se fossem crianças, algumas vezes chora. Mas ainda lembra de lamentar pela saúde da minha irmã e seu desejo de boa viagem para mim.

Meu avô, marido apaixonado, companheiro devotado, assiste a tudo com tristeza, mas serenidade e agradecemos a Deus o amor dele ser tão grande. Ele cuida dela com tamanha devoção que chega a ser comovente, tenta minimizar tanto o sofrimento dela que passa a ser angustiante.

A proximidade da morte, uma enfermidade grave, deixa a gente tão vulnerável. É a segunda vez que sinto isso, primeiro tia Simone e agora minha avó. Não sei se saber antes para poder se despedir é uma dádiva ou um castigo. Na verdade a gente sempre espera a morte, mas nunca aceita. A gente viva agora pedindo a Deus pelo menos mais um dia para dizer o que foi não dito, fazer o que não foi feito. Mas por onde começar? Tanto não foi dito, tanto não foi feito... adianta fazer agora? Como fazer dos dias de minha avó dias felizes se ela nem tem mais noção direito do que é felicidade.

Só espero estar por perto quando ela se for para desejar boa viagem, pois acredito que a morte seja isso: uma viagem rumo à paz e ao encontro de quem se ama de Deus. Espero que ela leve a certeza de que foi amada, foi feliz e fez o melhor que pôde. Tantas lembranças... fica só saudade, essa palavra indecifrável e minha eterna companheira.

Quem sabe se as células-tronco pudessem ter salvado minha tia e dessem uma qualidade de vida melhor à minha avó? Quem sabe? A gente nunca vai saber.

E a quem se foi... Minha avó paterna, minha tia, minha tia-avó, minha mãe de criação, meus amigos, meus primos... o amor e a lembrança e amor de quem ficou. O meu.

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